quinta-feira, 24 de abril de 2014

Por que uma guitarra boa é tão cara? - Parte IV

Parte III

Aaaaaaaaaaaaahhhh a beleza das curvas, das formas, das cores... A nuance do corpo.. A leveza... A suavidade... As formas marcadas e definidas do corpo.... de uma guitarra!!!

Enfim, vamos voltar a falar do acabamento.

Como estávamos falando antes, existem detalhes e detalhes. Coisas que podem tornar o instrumento algo único. Pode ser algo funcional ou apenas um detalhezinho, um frufru. E é falando sobre o frufru que vamos abrir o post de hoje: detalhes únicos.

Detalhes Únicos


Quando Leo Fender lançou sua primeira guitarra de corpo sólido, a Broadcaster (avó da telecaster), a Gibson, que até então só fabricava violões e guitarras semi-acústicas começou a perder mercado, e logo precisou de tomar alguma atitude para reverter a situação.

A Gibson lançou seu consagrado modelo Les Paul. Uma das características principais da Gibson Les Paul, e que a diferenciava da Fender Broadcaster era seu acabamento. Os luthiers da Gibson dominavam a técnica de construção de tampos arqueados, assim como tampos de violino, e essa técnica, que era pelos motivos expostos uma assinatura da Gibson, também foi utilizada no modelo Les Paul.

O grande lance é que esse trabalho de arquear o tampo é manual, custoso, e tem que ser muito bem feito, senão fica um lixo completo: os captadores e a ponte não vão se encaixar no corpo corretamente, pode ficar desnivelado e etc. Exatamente por esse motivo existem modelos de Les Paul "Plain Top", pois isso diminui os custos de fabricação da criança.

Outro detalhe da Les Paul nas séries acima da Studio, é o Binding (frisos), que é aquela linha branca que existe na borda do corpo e do braço da Les Paul. Nas Gibson o binding é feito com um material plástico que é colado ao corpo e ao braço. Apenas um esmero estético. Nas Epiphone, que é uma marca de propriedade da Gibson que faz instrumentos menos caros, o binding é uma pintura mesmo. Em termos de timbre e etc, isso não gera nenhuma diferença, mas imagine o trabalho que dá pra fazer o binding. IMAGINA O ESCAMBAU!!! No final do post tem uns vídeos mostrando como é feito o tampo arqueado e o binding.

O binding da Gibson inclusive tem gerado polêmica no modelo 2014. O que acontece é que o binding nos braços das Gibson possuiam uma parte que cobria as pontas dos trastes, uma coisa que inclusive as falsificações não copiavam. Em 2014 a Gibson passou a não colocar o binding encobrindo as pontas dos trastes, e assim, muitas pessoas ficaram aborrecidas, alegando que isso vai facilitar a falsificação de guitarras. Quem estiver afim de entender um pouco melhor essa parte do Binding, e algumas coisas mais, aqui segue o link de um EXCELENTE post do blog Louco Por Guitara.

Como prometido, aqui estão os vídeos que eu falei....

O vídeo abaixo mostra uma boa parte do processo de construção do corpo de uma Les Paul:


No vídeo abaixo a demonstração de como é feito o binding, e alguns detalhes do braço (de guitarras mais caras):


Como deu para perceber, dá um trabalho do cão fazer essa porra isso. Então imagine o seguinte: um luthier desses deve ganhar bem por baixo, uns U$20,00 por hora. Quantas horas ele leva para fazer isso tudo?

No post passado eu prometi um monte de coisas, inclusive que esse saíria na semana passada, mas eu acabei sendo pego pelo ritmo do feriadão e não terminei a tempo. Prometi também que a parte de componentes viria nesse mesmo post, mas ficou muito extenso, então, vou deixar as peças para o próximo que poderemos falar de mais alguns detalhes.

Abraços!!!



terça-feira, 15 de abril de 2014

Por que uma guitarra boa é tão cara? - Parte III

Parte I
Parte II

Existem diversas formas de dar um acabamento à uma guitarra, baixo ou violão. Algumas formas são bastante simples (e podem ser bonitas mesmo assim). Outras formas de acabamento podem ser funcionais, ou elevar um instrumento ao status de obra de arte devido à sua exclusividade.

O acabamento do corpo de um instrumento pode variar entre acabamentos que deixam a madeira totalmente exposta, dando um visual mais natural ao instrumento, até pinturas sólidas e trabalhos de escultura e marchetaria.

Esse assunto é bastante extenso, e talvez não consiga cobrir todos os aspectos que desejo em apenas um post, logo...

Acabamento Natural

Acabamentos naturais são mais comuns em violões, violinos, baixo elétrico e etc. Nesse tipo de acabamento, normalmente a madeira é encerada ou envernizada. Um detalhe importante no acabamento natural, é que nesse tipo de acabamento é difícil esconder imperfeições No caso da cera, o acabamento é menos brilhante e tem um feeling mais natural até mesmo que o verniz.

Esse tipo de acabamento é feito com óleos e ceras como o Birchwood Casey Tru-Oil. É um acabamento muitíssimo utilizado em baixos com braço inteiriço e acabamento natural.



Na imagem acima, o detalhe de um baixo com acabamento natural em verniz da Mayones Custom Shop. Como pode ser visto na imagem, todos os detalhes da madeira, bem como todas as junções das peças ficam expostos nesse tipo de acabamento. Apesar de ser o tipo de acabamento mais simples e barato que se pode ter (principalmente no caso da cera), não dá para esconder um material ruim ou mal trabalhado com esse tipo de acabamento.

Bursts com Transparência

Um tipo de acabamento clássico é o acabamento do tipo Burst, como o famoso e popular sunburst. Nesse tipo de acabamento, costuma-se deixar a parte central do corpo com uma coloração translúcida, e as bordas com uma cor mais escura, que pode ser sólida ou também translúcida.

Esse tipo de acabamento, por ser um intermediário entre o natural e o sólido, também expõe muitos detalhes da madeira. Nos casos em que as bordas e partes traseiras são pintadas em cores sólidas, apenas o centro fica exposto, como na imagem abaixo:

Corpo de Fender Stratocaster Sunburst - Detalhe das cavidades em tinta condutiva

Pintura Sólida

A pintura sólida é a favorita dos fabricantes de instrumentos baratos, pois é uma das mais baratas (é tão barata quanto verniz, mas não tanto quanto a cera), mas possibilita esconder defeitos das madeiras e também falhas construtivas.

Além da camada de pintura, em si, alguns fabricantes utilizam resinas para deixar a madeira mais lisa, e também para facilitar a aderência da tinta ao corpo do instrumento. Segundo alguns luthiers, esse tipo de resinagem prejudica um pouco a sonoridade do instrumento, além de impedir que a madeira "respire". Dessa forma, uma guitarra resinada sempre terá o mesmo som, pois a madeira não terá suas propriedades alteradas com o passar do tempo, já que a umidade estará aprisionada sob a pintura.

Uma pintura sólida não significa que o instrumento é ruim, é apenas uma pintura mais simples e mais barata. A Gibson, de longa data (início dos anos 80), utiliza a pintura sólida em guitarras com tampo de maple padrão, não-figurado, que não seriam muito beneficiados com um acabamento translúcido ou natural. As Gibson Studio em geral possuem pintura sólida, mas não pense que por isso a pintura é ruim: a Gibson pinta todas as suas guitarras com exatas 6 demãos de Nitrocelulose, que segundo informações de luthiers, é um tipo de tinta que permite a madeira respirar, apesar de ser uma pintura considerada sensível.

Em tese, a sonoridade proporcionada pelo corpo de uma Les Paul Studio é a mesma de uma Les Paul Standard. A diferença de preço se daria pelo acabamento, o tampo, que nas Standards é figurado, e os componentes, que nesse caso trazem também diferenças sonoras ao instrumento. No caso das linhas Tribute, a Gibson utiliza também a pintura com nitrocelulose, mas neste caso, sem o acabamento brilhante, dando um aspecto mais antigo, diminuindo o preço do instrumento.

Uma curiosidade da Gibson é que na pintura de suas guitarras é utilizada uma essência de baunilha, que deixa as guitarras com cheiro de sorvete, o que se tornou uma assinatura dos modelos Gibson (nas tribute isso não rola).

Outro tipo de tinta muito utilizado é o uretano, que vem sendo utilizado amplamente pela Fender em suas guitarras. É uma tinta que não necessita de resinagem, e é bastante durável.

Acabamento funcional

Além do que já foi explicado nesse artigo, o acabamento pode ter um aspecto funcional. Um exemplo de funcionalidade é a utilização de cera no acabamento dos braços. Embora uma pintura ou verniz seja muito dê um acabamento muito bonito ao braço de um instrumento, a cera faz com que a mão esquerda deslize com mais facilidade pela parte de trás do braço, pois é menos aderente que a tinta ou o verniz. Desse modo, guitarristas que toquem estilos mais rápidos preferem braços encerados, ou até mesmo o braço sem nenhum tipo de pintura ou cera.

O grande problema do uso de cera no braço, é que esse tipo de acabamento exige mais cuidados na manutenção do instrumento, pois o suor das mãos pode se impregnar à madeira fazendo-a escurecer:


Uma outra utilização de acabamento funcional está na pintura das cavidades eletrônicas dos instrumentos com tinta condutiva, como pode ser visto na segunda foto desse artigo. Esse tipo de pintura diminui as interferências eletromagnéticas na parte eletrônica do instrumento, evitando ruídos indesejados, e até mesmo interferências de rádio frequência (já rí muito com guitarras que sintonizam rádio AM e FM. Imagine no meio de uma missa começar a tocar um forró de duplo sentido nas caixas de som da igreja, ou um metal do Sabath \m/).

Bom, por hoje é só. Mas a notícia boa é que como essa semana é mais curta, poderei escrever mais, logo, teremos mais um artigo, falando um pouco mais sobre acabamento, e depois dessa brincadeira, vamos concluir a série falando sobre componentes de hardware e eletrônica.

Até!!!

sábado, 5 de abril de 2014

Por que uma guitarra boa é tão cara? - Parte II

Após o post Por que uma guitarra boa é tão cara? - Parte I recebi elogios, críticas, sugestões, e a quantidade de leitores me surpreendeu bastante.

Mas vamos parar de blablablá e voltar a falar do que interessa.

Braço Forte, guitarra boa

Um bom braço é um componente fundamental para uma boa guitarra. Um braço "molenga" não vai aguentar a tensão das cordas, não vai permitir que elas sejam afinadas, e vai mandar toda a vibração das cordas para o espaço. O que você perde? Se você respondeu sustain e ressonância, você  acertou.

Vamos explicar: imagine que ao invés de um braço confeccionado em madeira sólida, você tivesse em mãos uma régua de plástico. Ao esticar uma corda na régua, conforme se fosse enrolando e tencionando a corda na tarraxa, a régua iria entortar, e talvez chegaria a quebrar, dependendo do plástico. Dessa forma, a corda jamais chegaria na afinação. Isso ocorre com braços danificados, ou mesmo com braços ruins, ao afinar uma corda, outras cordas acabam desafinando, dificultando muito a afinação do instrumento, e muitas vezes impedindo que a guitarra seja afinada.

Quanto ao sustain e a ressonância, a explicação é mais simples: vamos fazer a analogia entre um tênis com um bom amortecedor e um braço de guitarra ruim. Difícil entender? O que é bom para um tênis é ruim para um braço de guitarra. PONTO. Um tênis bom tem um amortecedor macio, que consegue absorver o impacto do seus pés e diminuir assim a fadiga. Um tênis ruim é aquele que você pisa duro e fica com os pés doendo. Um braço mole, fraco, vai absorver toda a vibração das cordas, e o instrumento irá ter pouco sustain, e pouca ressonância.

Pelo exposto acima, um bom braço precisa de ser feito com madeiras resistentes, cortadas no mesmo sentido dos seus veios, para manter a firmeza e suportar a tensão das cordas.

A madeira da escala do braço é outro ponto que segundo alguns, faz diferença. Existem controvérsias nessa questão. Enquanto alguns guitarristas e luthiers afirmam que a madeira da escala faz diferença em termos sonoros, outros dizem que não faz e que não passa de lenda.

Pelo sim pelo não, explicarei. Os dois tipos mais populares de madeira utilizados na escala são o maple, e o rosewood.

De acordo com o site inglês Andertons o rosewood, ou jacarandá aqui em Terra Brasilis, é uma madeira de cor escura, e que por ser mais oleosa não precisa de um acabamento muito complexo ao ser instalada nos braços de guitarra, por esse motivo, a madeira um pouco porosa, não "reflete" tanto o som das cordas, proporcionando um timbre mais grave, menos estalado. Além disso, é interessante para quem gosta de sentir a textura da madeira na ponta dos dedos.

Já o maple, precisa de ser polido, envernizado ou encerado, se tornando uma peça lisa, com aparência menos natural, que "reflete" o som das cordas, proporcionando um timbre um pouco mais agudo e estalado. Também é interessante para quem prefira uma escala mais "lisa".

Ainda sobre madeiras, o ébano também é utilizado por muitos fabricantes, mas não se engane. Apesar do ébano ser um tipo de madeira de cor escura, o timbre é tratado como sendo mais agudo e estalado, além da escala ser mais lisa.

Aumentando a tensão

Além da madeira do braço e da escala, existe ainda um outro componente : o tensor.

O tensor é uma haste de metal que é instalada no interior do braço do instrumento,  e que possui uma ponta acessível na parte externa do braço, para que com algum tipo de chave, como uma chave allen, o braço possa ser regulado, permitindo que a curvatura do braço seja ajustada de acordo com a tensão das cordas utilizadas, e também de acordo com as variações do clima (que altera a dilatação da madeira e das cordas, e consequentemente a curvatura do braço).

No início as guitarras não possuiam esse recurso, e por este motivo em determinadas circunstâncias de variação de temperatura o instrumento começava a trastejar (as cordas encostam nos trastes ao vibrar, provocando um chiado no som). Em situações mais graves, as cordas encostavam no braço, fazendo com que fosse impossível tocar.

Nessas circunstâncias, era necessário fazer alterações drásticas: descolar o braço, efetuar cortes ou enchimentos na junção entre braço e corpo, e depois recolocar o braço. Esse procedimento envolvi refazer o acabamento do instrumento, pois uma vez descolado o braço, ocorriam danos no acabamento.

O crédito de criação do tensor no braço da guitarra é do renomado Leo Fender, que ao criar a avó da Telecaster, chamada de Esquire, estava recebendo muitas reclamações de braços empenados, além de guitarras devolvidas. Dessa forma o cara criou a Broadcaster, evolução da Esquire com um tensor no braço e dois captadores, mas isso é história para outro momento.



As imagens acima são de propagandas da Fender na década de 50, logo após a introdução dos tensores nos braços de suas guitarras, com o slogan "Nos apoiamos sobre nossa reputação". Será que uma guitarra vagaba teria essa reputação?  ;)

Abaixo, uma foto de um braço cortado e visto de lado com o tensor sendo mostrado (em azul):


E na foto abaixo podem ser vistos os tipos mais comuns de ponta utilizados para ajuste do tensor (créditos Music Diary):


Facilitando a saída do som

As guitarras e violões são descendentes diretos de instrumentos mais antigos como a cítara. Os primeiros instrumentos de corda não possuíam trastes, assim como os violinos, violoncelos e baixos (baixo clássico, ok?).

Ainda assim, existem violões e guitarras e principalmente baixos sem trastes, ou fretless, mas estes exigem um grau um pouco maior de habilidade para tocar, já que tirar som desses instrumentos é um pouco mais difícil.

Guitarra Fretless (http://adrianlikins.com/)
Os trastes foram introduzidos para facilitar a tocabilidade dos instrumentos. Hoje, as principais características dos trastes são a altura, largura, e o material utilizado.

Grande parte dos guitarristas prefere os trastes medium-jumbo, que não são os mais altos, nem os mais baixos, são trastes médios. Há quem prefira os trastes jumbo, estes, bem altos. Na imagem abaixo, alguns exemplos de trastes encontrados atualmente no mercado:


A grande vantagens de trastes mais altos é que estes facilitam a execução de bends e vibratto, além de aumentarem a sensação de "maciez" das cordas, já que quanto mais altos os trastes, menos os dedos encostam na escala.

Nas guitarras mais caras, os trastes utilizados são normalmente de boa qualidade, feitos em materiais duráveis como aço inoxidável ou criogênico (é um aço que passa por um processo de congelamente em baixíssimas temperaturas, que tornam o traste mais resistente e durável). A parte mais importante quanto aos trastes nas guitarras mais caras é a instalação dos trastes. Os trastes, são instalados cuidadosamente no braço, a após a instalação os trastes são polidos e nivelados para que não haja trastejamento e as notas saiam bem definidas.

Trastes de boa qualidade tendem a durar mais, e sofrem menor desgaste. A troca de trastes é um dos procedimentos de manutenção mais sensíveis, e exigem habilidade do luthier. Por isso, antes de fazer a substituição de trastes, procure um luthier de confiança, e com boas referências.

Não utilizar cordas enferrujadas também é algo que prolonga a vida útil dos trastes, evitando que estes enferrujem e se desgastem. E pode ter certeza: trocar os trastes é um procedimento caro e arriscado. O vídeo abaixo demonstra o procedimento de troca de trastes:


Ainda temos bastante coisa para falar, portanto, até a próxima!